SÃO PAULO - Em junho de 2011, ao lançar o Brasil Sem Miséria, a presidente Dilma Rousseff fez um apelo aos governadores. Disse que o apoio deles seria "fundamental" para atingir a meta de retirar 16,2 milhões de brasileiros da situação de miséria. Nos meses seguintes ela visitou cada região do País para reforçar o pedido e formalizar iniciativas conjuntas. Passados dois anos, levantamento feito pelo Estado mostra que essa relação entre o governo federal e as unidades federativas para o combate à miséria ainda patina.
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A maioria dos governadores declara apoio à iniciativa de Dilma e procura atrair recursos do programa para seus Estados. Mas eles ainda investem pouco de seus cofres.
Devido à diversidade das frentes de ação desencadeadas pelo Brasil Sem Miséria, o levantamento focou a atitude dos Estados na questão da transferência de renda - um dos três pilares do programa, ao lado da inclusão produtiva e do acesso a serviços públicos de qualidade. Verificou-se, a partir de informações fornecidas pelos governos, que 17 Estados e o Distrito Federal possuem algum tipo de programa de transferência de renda; e que eles variam de repasses regulares e mensais às famílias mais vulneráveis a benefícios concedidos sazonalmente a trabalhadores rurais, bolsas para combater a evasão escolar, abonos de Natal.
De acordo com as mesmas fontes, durante todo o ano de 2012 as transferências feitas por esses Estados beneficiaram 1,4 milhão de famílias, com um total aproximado de R$ 970,6 milhões. Os números não são muito diferentes dos registrados em 2011, indicando que a resposta ao apelo de Dilma tem sido lenta.
Por mais que os números engordem nos próximos anos, porém, dificilmente se aproximarão das cifras que saem de Brasília sob a mesma rubrica da transferência de renda. A planilha mais recente do Bolsa Família mostra que beneficiou 13,7 milhões de unidades familiares no mês de julho, com recursos de R$ 2,1 bilhões. É mais do que o dobro do que foi despendido durante todo o ano de 2012 por todos os programas dos Estados. Uma antiga reclamação dos governadores é que a arrecadação está concentrada nas mãos da União, o que impede investimentos mais robustos das unidades federativas.
Pactos. O governo federal vem tentando costurar pactos com os Estados, para que se comprometam com programas de transferência de renda regulares e complementares ao Bolsa Família. Até agora, porém, apenas quatro Estados - Rio, Espírito Santo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul - e o Distrito Federal formalizaram tais pactos de iniciativas conjuntas.
Dois governadores desse grupo são filiados ao PT, o partido da presidente Dilma: Tarso Genro, do Rio Grande do Sul, e Agnelo Queiroz, do Distrito Federal. Os outros três estão na base aliada: Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo; Sérgio Cabral (PMDB), do Rio; e Silval Barbosa (PMDB), do Mato Grosso. Juntos, seus governos transferem cerca de R$ 27 por mês às famílias inscritas no Bolsa Família.
O governador do Rio foi o primeiro a responder ao apelo de Dilma e, através do pacto, passou a assegurar uma renda mínima per capita de R$ 100 para cada família beneficiada pelo Bolsa Família - cujo teto é de R$ 70 per capita. Isso significa que, nos casos em que a renda per capita não atinja R$ 100 mesmo após a transferência dos vários tipos de benefícios pagos por Brasília, o Estado complementa. No ano passado foram beneficiadas 212,6 mil famílias cariocas, com R$ 178,9 milhões.
O teto mais alto pactuado até agora com Brasília encontra-se no Distrito Federal, onde o governo local assegura um complemento até R$ 140 per capita.
Apesar de não terem formalizado pactos com o governo federal, outros sete Estados mantêm programas regulares de transferência de renda para as famílias mais pobres. Apenas dois deles, porém, no Paraná e em Santa Catarina, foram criados após o apelo de Dilma. Nos Estados do Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul, Roraima e São Paulo eles já existiam.
O do Amapá iniciou em 1996, segundo informações do governo. Denominado Renda para Viver Melhor, foi expandido no mandato de Camilo Capiberibe (PSB), que agora se articula para ser o próximo governador a formalizar o pacto com Brasília.
Ainda no grupo de Estados com ações de transferência sem pactos formais, quatro são dirigidos pelo PSDB, partido de oposição ao governo Dilma. Um deles, Marconi Perillo, destaca que o Renda Cidadã de Goiás existe desde 2000 e tem seus próprios focos. Não é um complemento do programa federal e no ano passado beneficiou 65,5 mil famílias, com R$ 101,1 milhões.
Petista e tucano. O recorte dos programas varia de um Estado para outro e nem sempre é possível identificá-los pela filiação partidária do governador.
Um exemplo disso aparece na mesma lista de pagamento de julho do Bolsa Família. Ela indica que o Estado que mais recebeu recursos no mês foi a Bahia, com R$ 275,6 milhões, destinados a 1,7 milhão de famílias; e que Roraima foi o que menos recebeu, com R$ 7,7 milhões, para 46,2 mil famílias.
O curioso é que a Bahia, do governador petista Jaques Vagner, não tem programa de transferência direta de renda. Segundo sua assessoria, prefere investir em ações de inclusão produtiva. Em contrapartida, o governador de Roraima, o tucano José de Anchieta Júnior, aposta no Crédito Social, programa de transferência que destinou R$ 74,4 milhões em 2012 para 51 mil famílias. Considerando o pequeno tamanho do Estado, é um dos programas mais bem fornidos do País.
Transferência de renda não é a única ação reservada aos Estados e vários deles desenvolvem outros projetos contra a miséria. Ela pode ser um bom parâmetro, porém, para começar a identificar ruídos nas articulações de Brasília com alguns governadores, os interesses deles por programas sociais e os limites da capacidade dos Estados.