Medidas polêmicas tomadas por prefeitos em fim de mandato cujo grupo
político foi derrotado nas eleições de outubro deflagraram crises em ao
menos três capitais do País. Em Salvador, Macapá e Maceió, os processos
de transição, que no papel deveriam se restringir a acertos
administrativos, se transformaram numa guerra em que até o Ministério
Público foi chamado a intervir.
Na capital baiana, o prefeito João Henrique (PP), que não fez o
sucessor, encaminhou à Câmara Municipal um pacote de projetos logo após a
vitória de ACM Neto (DEM) com mudanças estruturais nas regras
urbanísticas e ambientais. Aprovados e sancionados este mês, eles
alteraram o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo,
ressuscitando, segundo o Ministério Público, dispositivos já rechaçados
pela Justiça.
Segundo promotores, as leis reduzem áreas de proteção
ambiental para beneficiar grandes construtoras. A medida mais polêmica é
a que reconhece uma dívida municipal de R$ 36 milhões com os donos do
Shopping Aeroclube, construído num terreno público da orla, por meio de
concessão. O centro comercial ficou fechado por vários anos, por conta
de embargos judiciais. Vencida a questão nos tribunais, o empreendedor
alegou que a paralisação gerou desequilíbrio econômico-financeiro e
pediu compensação à prefeitura, que se diz obrigada, por contrato, a
pagar a conta.
Sem dinheiro, João Henrique “pagou a conta” estendendo a
concessão do local por mais 30 anos, a partir de 2026. O contrato
atravessará a gestão de ACM Neto e as outras dez seguintes.
“Não houve consulta ao prefeito eleito e isso seria normal.
Muitos projetos dependem do controle social, exercido em audiências
públicas e conselhos”, afirmou o ex-governador Paulo Souto (DEM), que
coordenou a equipe de transição do prefeito eleito.
O Ministério Público baiano afirma que vai à Justiça barrar
as mudanças. “O mínimo que se deve fazer é uma discussão ampla com a
sociedade. O prefeito tem legitimidade até o último dia de mandato, mas
há, neste caso, um aspecto moral. O correto seria deixar essas questões
para o administrador seguinte. As mudanças só beneficiam o
empresariado”, diz a promotora Rita Tourinho.
Derrotado no 2º turno, o prefeito da capital do Amapá,
Roberto Góes (PDT), só iniciou a transição em 1º de dezembro e, segundo o
sucessor, Clécio Luís (PSOL), não entregou documentos solicitados.
Informações fundamentais, como o organograma e a estrutura de cargos
foram sonegados, afirma o prefeito eleito.
“O trabalho é unilateral”, diz Clécio. Na madrugada de
sexta-feira passada, o prefeito eleito diz ter flagrado a retirada de
“pilhas de documentos” da prefeitura em picapes. Ele registrou um
boletim de ocorrência policial.
Outra medida polêmica de Góes foi assumir uma dívida de R$32
milhões com a empresa União Macapá, que explora linhas de ônibus na
cidade. O acordo foi firmado na Justiça, a título de honrar repasses não
feitos de subsídios nas passagens. O Ministério Público, porém, não foi
consultado. Diante disso, o juiz que o homologou recuou e pediu um
parecer dos promotores. Segundo a Promotoria do Patrimônio Público, a
manobra favorece a empresa ilegalmente, com a concessão de um serviço
sem a devida concorrência. “É evidente o conluio fraudulento enraizado
por trás da referida contenda”, diz o promotor André Araújo em seu
parecer.
Até a sexta-feira, a Justiça não havia se pronunciado
definitivamente sobre o acordo. O promotor prepara ação para anular
acerto idêntico, firmado meses antes, estendendo as permissões de mais
três viações. Juntas, as quatro empresas envolvidas detêm mais de 80% do
transporte em Macapá.
Na capital alagoana, o prefeito Cícero Almeida (PSD), que
também não fez o sucessor, publicou na sexta-feira a exoneração de todos
os 1,1 mil servidores com cargos comissionados, a título de fechar as
contas e deixar o sucessor “à vontade” para fazer suas nomeações em
janeiro de 2013. Dezenove dias após a eleição de Rui Palmeira (PSDB), a
prefeitura também homologou licitação para entregar a gestão de 10 mil
vagas de estacionamento rotativo a um consórcio privado por dez anos.
Mas o processo foi suspenso após o Ministério Público agir. “Como, às
vésperas do fim de mandato, toma-se uma medida dessas, de lotear a
cidade para empresas explorarem até 2023?”, afirma o promotor Marcos
Rômulo.