SÃO PAULO — Em um antigo esqueleto de prédio do INSS na capital paulista, um cortiço toma conta do terreno onde deveriam ser erguidos apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida. Puxadinhos improvisados com redes de água e energia clandestinas sugerem que o programa habitacional vitrine do governo federal ainda está longe de chegar ali. O retrato paulistano não é o único. De 27 imóveis do INSS comprados por R$ 20 milhões no governo Lula para tornarem-se moradia para famílias de baixa renda, 23 estão empacados pelo país. Só um prédio, em Vila Velha (ES), está em obras.
Problemas como excesso de burocracia, dificuldade para adaptação de prédios comerciais em residências e questionamento na Justiça têm feito o projeto avançar lentamente. A aquisição de áreas abandonadas do INSS para moradia foi anunciada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009, na tradicional festa de Natal com os moradores de rua em São Paulo. Os contratos foram assinados entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010.
Os imóveis estão espalhados por oito estados — São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Norte e Piauí. Somente os empreendimentos dos municípios de Floriano (PI) e de Rio Grande (RS) saíram do papel. Na primeira cidade foram três imóveis, entregues em agosto de 2012 a 56 famílias; e na segunda, um, que ficou pronto no mês passado, beneficiando 80 famílias. Todas elas estão enquadradas no grupo mais carente atendido pelo Minha Casa Minha Vida — famílias que têm renda mensal de até R$ 1.600.
As principais vantagens das áreas do INSS são a localização privilegiada, no Centro da cidade, e o acesso fácil à rede de infraestrutura (transporte, saúde e educação) e emprego. No entanto, o que era para ser um facilitador, tem se tornado um nó difícil de ser desatado. Muitos desses imóveis são antigos e estão em mau estado de conservação. Alguns foram invadidos e, geralmente, precisam passar por reformas custosas.
O caso mais complicado está em Curitiba, no Paraná. Numa das ruas mais movimentadas do Centro da cidade, metade de um prédio de 11 andares comprada pelo governo federal por R$ 2,4 milhões (a outra metade foi vendida pelo INSS a particulares) segue desocupada e se deteriorando. Três anos após a aquisição, o governo ainda discute a viabilidade da área para habitação e cogita trocá-lo por outro imóvel. Há negociações com a Cohab de Curitiba para a indicação de um novo local para abrigar 33 famílias. O motivo é o alto custo da reforma, que faria com que o preço das unidades extrapolasse o limite estabelecido pelo Minha Casa Minha Vida para atender as famílias de baixa renda.
Regularização fundiária é outro entrave
Para o secretário-geral da União Nacional por Moradia Popular do Paraná, Roland Rutyna, o governo comprou um “abacaxi”:
— Não era esse prédio que queríamos. Era outro, também do INSS, mas eles não quiseram vender. Quiseram passar o abacaxi, e o governo comprou.
No Nordeste, a reforma de um prédio comprado por R$ 1,8 milhão no Centro de João Pessoa, na Paraíba, também está parada. Desde 2010 nas mãos do governo federal, nem o projeto básico para orçar o custo da reforma foi elaborado.
— O edifício não é adequado para habitação, mas para serviços, precisa de uma reforma que não será simples, está ocupado e fica numa área de tombamento — explicou o diretor de Planejamento da Secretaria de Habitação de João Pessoa, Pascal Machado, que prevê para 2014 o início das obras.
A burocracia para a regularização fundiária é outro entrave. Uma das aquisições mais caras — R$ 4 milhões por um terreno em Ipatinga (Minas Gerais) — foi parar na Justiça. A Usiminas, antiga proprietária da área, questionou a destinação do imóvel para moradia, uma vez que havia cedido o terreno ao antigo Inamps para ser construído um hospital no local. A obra está prevista para começar em abril deste ano.
— A previsão inicial era de entrega dos apartamentos no início deste ano. Agora esperamos que seja em 2015 — disse um dos coordenadores da União Nacional por Moradia Popular em Minas Gerais, Whelton Pimental de Freitas.
Segundo o Ministério das Cidades, três imóveis estão em fase de regularização cartorial; cinco, em processo de elaboração ou aprovação de projetos; seis, em processo de chamamento de empresas para execução de projetos e obras; e nove, em fase final para contratação das obras.
Em nota ao GLOBO, a pasta apontou dificuldades: “Esse trabalho está ainda em processo e não foi finalizado, por motivos diversos, como a natureza dos imóveis, pois muitos demandaram ou estão demandando processos burocráticos e, consequentemente morosos, de regularização cartorial. No caso da reforma dos imóveis, é preciso esclarecer que existem poucas empresas construtoras que executam esse tipo de serviço para essa faixa de empreendimentos. Além disso, existem terrenos pequenos, que viabilizam poucas unidades habitacionais, por isso, são considerados pouco atrativos em um momento do mercado tão aquecido”.
Em São Paulo, famílias continuam à espera
No dia em que fez o anúncio da compra de imóveis do INSS para oferecer moradia popular nos grandes centros, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em seu discurso, que o povo não deveria ter medo do “peso da caneta” da Presidência da República porque o governo dele estava preparado para atender às diferentes demandas da população.
— Vocês têm que aproveitar este momento, falta um ano (para o fim do mandato dele), não tenham medo do peso da caneta. Vamos fazer levantamentos, um pente-fino das nossas necessidades, para que possamos colocar no papel e atender às demandas de vocês — disse ele.
Isso aconteceu numa festa de Natal com moradores de rua e catadores de material reciclado em São Paulo, em 2009. Lula estava acompanhado do então ministro das Cidades Marcio Fortes e assinou contratos de promessa de compra e venda de imóveis. O ex-presidente concluiu o governo sem inaugurar nenhuma moradia nos prédios desocupados do INSS.
A capital paulista concentra a maioria das áreas compradas. Ao todo, são 12 imóveis, entre terrenos e prédios, ao custo de R$ 9,2 milhões. No entanto, até hoje, nenhum deles foi entregue às famílias já cadastradas. Lideranças de movimentos de moradia na cidade culpam a construtora contratada pela demora em concluir o projeto da reforma.
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