Ao condenar o empresário Assis Moreira, sua mulher e sua irmã a pagarem R$ 500 mil a um casal de vizinhos, o juiz Alex Gonzalez Custódio, de Porto Alegre, subiu o tom ao redigir a sentença.
Disse que a família Moreira acredita estar "acima da lei e da Justiça" por se considerar "melhor do que os simples mortais" — e por colocar a fama, o lucro e o dinheiro à frente dos "princípios de humanidade e solidariedade". Após analisar um recurso neste mês, a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho decidiu, por três votos a zero, manter a condenação imposta pelo juiz Custódio.
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O advogado dos Moreira, Sérgio Queiroz, estuda buscar uma reparação do magistrado. Conforme Queiroz, o juiz teria emitido considerações de cunho pessoal, abrindo mão "do equilíbrio e da equidistância" no julgamento.
A controvérsia remonta a maio de 2007, quando o muro que sustentava um aterro no pátio da família Moreira, na zona sul da Capital, veio abaixo. Com o desabamento da parede, uma grande quantidade de entulho e terra teria invadido a casa de trás, onde vive o casal Adriano Ricardo de Carli e Vera Maria Erbes. O incidente, de acordo com laudo técnico anexado ao processo, destruiu paredes, assoalhos, vidraças, jardim, telhado, redes elétrica e telefônica, entre outras estruturas da residência.
No despacho do juiz Custódio, titular do 2º Juizado da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, consta que os Moreira teriam se negado a ressarcir o prejuízo. "Constata-se a desconsideração e o desrespeito que o dinheiro e fama em excesso podem causar em uma pessoa, mesmo com seus vizinhos, em total descaso, mesmo conscientes de que causaram prejuízos a terceiros, necessitando essas pessoas virem a Juízo buscar a satisfação de seus direitos", escreveu o magistrado.
"É tão comum quanto um gari", diz magistrado sobre Assis
Mas o que mais importunou Custódio foi a dificuldade para notificar Assis. Conforme o juiz, não foi a primeira vez que os oficiais de Justiça passaram semanas tentando localizar o empresário, pedindo ajuda de seguranças e tentando acessar o condomínio dos Moreira, sempre sem sucesso. "Os requeridos entendem estarem acima da lei e da Justiça, ocultando-se para não serem citados", afirmou Custódio, para depois se referir especificamente a Assis: "É pessoa tão comum quanto um gari que recolhe os dejetos na frente do fórum! Não é sua condição financeira que determina quando e como ele possa ser citado, intimado ou notificado."
Além do ressarcimento pelos danos materiais, ao entrar com a ação na Justiça, o casal cuja casa foi devastada pediu indenização por danos morais de 200 salários mínimos para cada um. O magistrado não só acatou o pedido como dilatou a reparação para 300 salários mínimos: "Entendo (...) que os valores para servirem de alerta e penalidade à Família Moreira devem em patamares maiores, para que efetivamente possam enxergar mais além da fama e do glamour de seus filhos, bem como para entenderem que devem ser mais zelosos com seu patrimônio, mas especialmente mais zelosos no trato com as pessoas, fazendo-lhes ressaltar que os valores e princípios de humanidade e solidariedade estão acima do lucro, do dinheiro, do patrimônio, da fama pessoal e do glamour."
Como Assis não foi notificado, Custódio determinou que a Defensoria Pública atuasse em sua defesa. No último dia 7, o recurso impetrado no Tribunal de Justiça pela Defensoria foi negado — e Assis, Karla (sua mulher) e Deisi (sua irmã) continuam condenados a pagar, considerando juros e correção monetária, em torno de R$500 mil aos autores da ação.
"Na zona onde moram, se acham acima de tudo"
Entrevista
Alex Gonzalez Custódio, juiz da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza
Zero Hora — Em seu despacho, o senhor emite juízo de valor ao se referir à família Moreira. Isso é correto?
Alex Gonzalez Custódio — É sempre uma enorme dificuldade localizar o seu Assis, o seu Ronaldo (o jogador Ronaldinho, irmão de Assis) ou qualquer pessoa da família Moreira. Os oficiais de Justiça são recebidos pelos seguranças, que mandam falar com o advogado, com o Fulano de Tal, e a citação nunca se complementa. Os Moreira precisam ser citados pessoalmente e acabam obstaculizando isso. Já passaram por mim quatro processos que os envolviam. Às vezes, o oficial enxerga a dona Deisi (irmã de Assis, também condenada) ou outra pessoa da família, e ninguém vai recebê-lo.
ZH — O senhor tem algum problema pessoal com Assis ou com alguém da família?
Custódio — De maneira nenhuma. Já conduzi audiência em que o seu Assis estava, e ele foi muito cordial. Mas chegou perguntando "quanto custa?", queria pagar tudo na hora, e as coisas não funcionam assim. Se temos algo contra, é exclusivamente a esses obstáculos para cumprir as citações. É pública e notória a dificuldade para concluir o ato processual quando envolve a família Moreira. Na zona onde moram, se acham acima de tudo, por isso escrevi que é um baronato. Nesse caso do muro que desabou, eles poderiam ter conversado com a outra família, ter resolvido de forma amigável, mas ficam protelando.
ZH — Por que o senhor redige sua sentença de forma tão contundente?
Custódio — Eu redijo a decisão da forma como falo, para que o mais humilde cidadão possa entender com clareza. Não adianta utilizar um juridiquês, um português rebuscado, sem expressar o que de fato está ocorrendo. A gente lamenta, às vezes, por precisar julgar situações que poderiam ser resolvidas no âmbito privado, sem necessidade de chegar ao juízo. É o caso desse processo, que é de 2007. A sociedade cobra, com razão, que a Justiça seja célere. Mas, com essa demora para citar os réus, o processo se arrasta durante anos. Por isso digo que, talvez, a família Moreira se entenda acima da lei e da ordem. Eles tratam algumas questões com desdém.
ZH — O senhor se importaria de revelar se é gremista ou colorado?
Custódio — Sou colorado. Mas não sou fanático. Quando o Grêmio joga a Libertadores ou enfrenta outros times do Brasil, torço pelo Grêmio. Sou bem bairrista, bem gaúcho. Eu queria muito que o Ronaldinho jogasse no Inter, mas isso vai ser bem difícil. Ele joga demais, merecia ter sido convocado pelo Felipão.
CONTRAPONTOS
O que diz Assis Moreira
"Não estou nem sabendo disso. Peço para que entre em contato com o meu advogado. Não vou entrar no mérito da questão, estou em Belo Horizonte, não quero me envolver nisso."
O que diz Sérgio Queiroz, advogado da família Moreira
"Essa notícia só chegou para nós agora, no fim da tarde (de terça-feira), e amanhã(quarta-feira) vamos analisar o processo com calma. Me parece que o magistrado entendeu que Assis estava se furtando à citação e, por isso, designou um defensor público para o processo. Causa-nos estranheza, porque Assis é sempre localizado em todo tipo de processo. Assis nunca se furtou de responder à Justiça, e a prova disso são as inúmeras citações nas quais foi facilmente encontrado.
Ao ler a sentença, é possível ver claramente que o juiz extrapolou a condição de magistrado, lançando considerações de cunho pessoal, certamente com algum rancor ou mágoa, o que não é característico da magistratura gaúcha, sempre equidistante, sempre equilibrada, sempre atenta aos fatos discutidos no processo. Me parece que houve outro episódio, no passado, em que esse mesmo magistrado lançou considerações de natureza pessoal contra Assis. Vamos estudar a busca de uma reparação em relação à postura do magistrado, que precisa de equilíbrio em seus julgamentos.