Andreza Matais e Fábio Fabrini
BRASÍLIA - José Dirceu abriu no Panamá uma filial de sua
empresa de consultoria. Ela fica no mesmo endereço da Truston
International, dona do hotel que ofereceu a ele emprego de R$ 20 mil no
mês passado. A JD Assessoria e Consultoria registrou a filial em 2008,
três anos depois de Dirceu ser apeado do governo em meio ao escândalo do
mensalão, no escritório da Morgan & Morgan, que disponibiliza
testas de ferro para milhares de firmas estrangeiras, como a Truston, no
conhecido paraíso fiscal da América Central.
Na ocasião, Dirceu informou a um cartório brasileiro a constituição
da filial, com endereço no 16.º andar da Torre MMG, na Cidade do Panamá,
onde funciona a Morgan & Morgan. Conforme os registros, ao abrir a
filial no Panamá, o ex-ministro fez um aporte em dinheiro vivo e
aumentou o capital da JD de R$ 5 mil para R$ 100 mil. Metade desse
capital foi destacado para a filial panamenha, cujo objetivo seria "o
mesmo desenvolvido pela matriz", criada em 1998, em São Paulo.
A Truston - dona do hotel St. Peter - foi aberta no Panamá apenas
três meses depois dessa operação conduzida pelo ex-minsitro, também
declarando o endereço da Morgan & Morgan e tendo um "laranja" como
seu presidente. José Eugenio Silva Ritter, auxiliar administrativo do
Morgan & Morgan, e outros dois representantes do escritório
panamenho constam como donos de nada menos que 30 mil empresas no
paraíso fiscal.
No Brasil, o St. Peter é administrado pelo empresário e ex-deputado
Paulo Masci de Abreu, amigo de Dirceu. Ele é irmão do ex-deputado José
Masci de Abreu, presidente nacional do PTN, partido aliado do governo
petista. Os irmãos Masci detêm várias concessões de rádio e TV
concedidas pela União.
A revelação de que o dono da Truston era na verdade um "laranja",
feita pela TV Globo, levou o ex-ministro da Casa Civil, preso em
Brasília por comandar o mensalão durante o primeiro mandato do governo
Luiz Inácio Lula da Silva, a desistir de trabalhar no hotel.
Trâmites. A sucursal da empresa de Dirceu no
Panamá existiu para os órgãos públicos brasileiros por ao menos um ano.
Em abril de 2009, numa alteração contratual, o ex-ministro decidiu
"tornar sem efeito" a abertura da filial no Panamá. Segundo um delegado
da Polícia Federal, um servidor do alto escalão da Receita Federal e um
advogado especialista em direito empresarial ouvidos pelo Estado, o
registro, no entanto, só tem valor no Brasil e não impede que a JD
prossiga com eventuais negócios no paraíso fiscal.
A mudança contratual, na opinião desses especialistas, serviria para
"apagar" o rastro da existência da filial da empresa de Dirceu em bancos
de dados públicos no Brasil, como cartórios e juntas comerciais, sem a
que produzisse efeito no Panamá.
A Morgan & Morgan, alegando sigilo, não informou a atual situação
da JD no paraíso fiscal. Segundo a legislação local, empresas podem ser
registradas em nomes de "laranjas" e estampar nomes fantasia que não
guardam relação com a empresa original.
O contrato social da empresa de Dirceu lista diversas atividades,
entre elas facilitar negócios de particulares com o poder público não só
no Brasil.
Cabe à consultoria, por exemplo, trabalhar por "parcerias
empresariais com os países do Mercosul" e viabilizar o "relacionamento
institucional de particulares com os mais variados setores da
administração pública".
Com a condenação e a prisão de Dirceu, em novembro, o imóvel da JD em
São Paulo foi posto à venda. A empresa passará a funcionar com
estrutura menor, sob o comando de Luiz Eduardo de Oliveira e Silva,
irmão do petista.
Para lembrar
R$ 20 mil de salário no hotel
Dez dias depois de ser preso, o ex-ministro
José Dirceu recebeu uma oferta de trabalho do hotel Saint Peter, em
Brasília, para ser gerente administrativo com salário de R$ 20 mil,
enquanto a gerente-geral do hotel recebia na carteira R$ 1.800. O hotel
tem como sócio majoritário a Truston International, empresa aberta no
Panamá pelo escritório Morgan & Morgan em nome de um laranja, e o
empresário Paulo Abreu, sócio de emissoras de rádio e TV.
Após o Jornal Nacional revelar o elo da Morgan & Morgan com o
hotel, os advogados de Dirceu anunciaram que ele desistiu do emprego. Na
quinta-feira passada, Dirceu obteve nova proposta de emprego, desta vez
no escritório de advocacia do ex-ministro do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) José Gerardo Grossi. Vai receber, caso a Justiça o
autorize a trabalhar, salário de R$ 2,1 mil para organizar a biblioteca
do escritório.
José Dirceu cumpre inicialmente sua pena no regime semiaberto no
presídio da Papuda, em Brasília. O ex-ministro da Casa Civil foi
condenado pelo Supremo Tribunal Federal acusado de ser o chefe do
esquema do mensalão.