quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Liberdade e Cidadania

O caráter regional das eleições de 1989 mostra a ausência de lideranças com peso nacional. Tratava-se da primeira eleição presidencial do período em um sistema partidário em que já havia ocorrido duas eleições consecutivas para governador. Assim, os principais partidos tiveram forte apoio nos Estados de origem de seus candidatos, mas não conseguiram penetrar eleitoralmente nas diversas unidades da federação. A exceção fica por conta de PT e PRN, que tiveram sua votação distribuída de forma homogênea pelos Estados _IDRC de 0.30 e 0.25, respectivamente. A candidatura pedetista, a despeito de ter uma votação semelhante à candidatura petista, concentrou seus votos em apenas duas unidades da federação. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul responderam por 63,7% da votação total do partido. Como se trata de dois colégios eleitorais importantes, essa regionalização do voto não se traduziu em péssimo desempenho no total. O desafio pedetista para as eleições seguintes era o de minimizar a dependência desses Estados no total de sua votação. O mesmo raciocínio vale para a candidatura do PDS. A candidatura Maluf teve um desempenho fortemente regionalizado. Somente São Paulo foi responsável por 65% dos votos totais do partido. Estávamos diante de uma candidatura de caráter regional, era necessário construir politicamente a candidatura em âmbito nacional. Em relação ao PDT, a diferença é a base política da candidatura. Está claro que uma candidatura tão fortemente dependente de um único Estado, por mais importante que ele seja, enfrentaria sérias dificuldades para mobilizar apoio em novas disputas presidenciais. PSDB e PMDB, embora em menor grau, mostraram padrão concentrado da votação. No caso tucano, São Paulo e Minas Gerais representaram 59% do total de votos de Covas, ao passo que a candidatura Ulysses Guimarães obteve 44,5% dos votos em três Estados: Bahia, São Paulo e Minas Gerais. Nota-se que PSDB e PMDB não apenas disputavam a hegemonia no interior do mesmo bloco ideológico como também tinham sua força eleitoral concentrada nos mesmos Estados. O recado das urnas em 1989 foi evidente. Os dois partidos que chegaram ao segundo turno tiveram votação nacionalmente distribuída. As eleições de 1994 seriam as primeiras eleições presidenciais simultâneas às demais competições em nível estadual. As coligações eleitorais e a fragmentação eleitoral. Tendo em vista, os dilemas do custo de entrada que descrevi na seção anterior e a necessidade de nacionalizar as candidaturas, vejamos qual é o dilema o problema substantivo a ser analisado. Tabela 1 Tamanho das forças partidárias e fragmentação das eleições presidenciais Fonte: www.tse.gov.br e banco de dados eleitorais Iuperj A tabela acima sintetiza os resultados das eleições presidenciais. Grosso modo, o mercado presidencial é caracterizado pela estabilidade das identidades partidárias, no que se refere às duas primeiras posições, e pela alternância dos partidos que buscam adentrar na competição nacional. No tocante ao peso dos partidos, a concentração dos votos nos dois primeiros colocados vem paulatinamente se reforçando, ainda que tenha um leve declínio nas eleições de 2002, mas que foi prontamente reforçado nas últimas eleições analisadas, atingindo o patamar de 91% dos votos válidos em somente dois partidos. A alternância na identidade das “terceiras forças” significa que as tentativas de entrada e ocupação de espaços no mercado eleitoral nacional são efêmeras, isto é, não resistem ao tempo. Não há uma terceira força consolidada que desafie os principais contendores a cada eleição. Há diferentes terceiras forças buscando entrar no plano nacional. Partidos batem à “porta” das eleições presidenciais, uma vez que não as conseguem abrir, retiram-se da disputa e “passam a vez” para tentativas de entrada de agremiações distintas, evidenciando quão custoso é o lançamento de candidaturas próprias para o pleito presidencial. O preço da derrota é amargo o suficiente para que os derrotados optem por ficar de fora das disputas seguintes. Do ponto de vista substantivo, os momentos eleitorais relevantes para o entendimento da dinâmica presidencial se encontram na transição entre a primeira e segunda eleição e as eleições de 2002. O primeiro momento responde pela criação da clivagem básica, PSDB versus PT, que dominará as corridas presidenciais seguintes. Essa eleição marca o enfraquecimento significativo da terceira força, afastada, para todos os efeitos, da disputa efetiva pela presidência. A eleição de 2002 é marcada pelo aumento da força da terceira força a ponto de reverter a tendência de concentração em torno dos dois partidos. Dessa forma, a concentração de votos em torno do PT e PSDB pode depender, para usar a nomenclatura proposta por Cox (2005), mais da coordenação pré-eleitoral do que da mobilização de eleitores. A análise das candidaturas lançadas e das coligações montadas sugere, como passo a mostrar, que este é o caso. Uma primeira corrente de interpretação do significado das eleições presidenciais de 1989 para a consolidação do sistema partidário interpretou essa fragmentação como sinônimo de debilidade das organizações partidárias e da instabilidade do sistema partidário brasileiro, que passava, à época, por um processo de evolução de um sistema bipartidário rumo à fragmentação da competição política (Lima Junior, 1993, p.28). As eleições presidenciais de 1989 foram marcadas, de fato, por um processo quase nulo de coordenação eleitoral entre as elites políticas. Tratava-se das primeiras eleições presidenciais do período, o estoque de informação dos atores políticos era quase nulo. Dessa forma, as principais lideranças partidárias, bem como políticos de legenda de pouca expressão eleitoral, dispuseram-se a testar seu capital político. Vinte e uma candidaturas foram lançadas naquele pleito presidencial. Essa convergência para um número de partidos efetivos de 5,69 se deve exclusivamente à distribuição de preferências do eleitorado. A coordenação entre as elites não ocorreu nas eleições inaugurais. A excepcionalidade das eleições iniciais é esperada pela literatura da coordenação eleitoral. O argumento é que eleições iniciais apresentam um elevado nível de fragmentação partidária devido ao baixo nível de informação, seja por parte dos eleitores, seja por parte das elites políticas. De fato, as eleições presidenciais de 1989 pareciam estar descoladas das disputas anteriores. O exemplo mais patente da especificidade da disputa presidencial é o PMDB. Nas eleições para governador em 86, o partido simplesmente saiu vencedor em 95% dos Estados. Seu desempenho nas eleições presidenciais foi infinitamente inferior, visto que o partido alcançou a irrisória marca dos 5% dos votos. Os dois partidos que colocaram seus candidatos no segundo turno da competição presidencial não elegeram nenhum candidato nas eleições para governador. O cenário da disputa presidencial sofreu no pleito posterior uma guinada rumo à coordenação eleitoral. O número de candidaturas apresentadas em 1994 foi 40% em relação a oferta partidária no pleito inicial. Se tomarmos os números efetivos de candidaturas, veremos que o salto foi ainda mais significativo. O número efetivo de partidos nas eleições de 1994 está dentro do esperado pelo limite imposto pela regra M +1. Na verdade, trata-se de um número inferior ao que esperaríamos encontrar em uma eleição de dois turnos, visto que a magnitude em primeiro turno é de duas vagas para o segundo turno. O número efetivo de partidos nas eleições de 1994 foi de 2.65. As eleições de 1998, 2002 e 2006 mantiveram o mesmo padrão, o que demonstra que o “sistema partidário presidencial” ganhou estabilidade ao reproduzir-se no tempo. É interessante notar que esse padrão de competição presidencial se repete se desagregarmos os resultados pelos Estados. Tabela 2 Competidores nas eleições presidenciais por ano; partidos selecionados 1989-2006 Fonte: elaboração própria Nas eleições de 1989, como mostra a tabela 3.1, oito entre os nove partidos considerados relevantes lançaram candidatos para presidente, ao passo que esse número se reduziu para apenas três partidos. Isso significa dizer que no universo dos partidos relevantes no sistema político brasileiro, de fato, há coordenação nas estratégias de entrada. Se há alguma “falha” na coordenação, ela se encontra nos chamados micropartidos . A identidade dos partidos mostra que, em um primeiro momento, o processo de coordenação eleitoral ocorreu de forma mais definida à direita do espectro ideológico . Nas eleições iniciais, marcadas pela pulverização e pela fragmentação, apenas o PSB não lançou candidato a presidente. Os principais atores políticos, independentemente da posição no espectro ideológico, resolveram testar sua força. Na eleição seguinte, três partidos da centro-direita abandonaram a disputa (PTB, PL e PFL) e não mais voltaram a lançar candidatos ao Executivo federal. Esses partidos abandonaram o mercado. Apenas os partidos pequenos de direita, Prona e PRN, mantiveram-se no mercado eleitoral. As eleições de 1994 ainda assistiram à bipolarização no campo da esquerda entre PT e PDT. O PSB não lançou candidato, preferindo participar da disputa nacional coligado com o PT, assim como fazem todas as demais forças de esquerda, e novamente se manteve fora na disputa. No centro do espectro ideológico, a disputa entre PSDB e PMDB se manteve nas eleições de 1994. As eleições de 1998 reforçam ainda mais esse movimento de coordenação dos principais partidos que compõem o sistema partidário brasileiro. PMDB, PP e PDT deixam de participar diretamente da competição presidencial e aparecem como parceiros dos partidos centrais no pleito nacional. Isso significa que PSDB, ao centro, e PT, à esquerda, consolidaram-se como os polos aglutinadores da disputa presidencial. A eleição marca a entrada do PPS no mercado presidencial no vácuo da desistência do PDT. O partido concorria para ser alternativa à polarização PT/PSDB por meio da candidatura capitaneada por Ciro Gomes, que havia deixado o PSDB. As eleições de 2002 apontam uma reversão da concentração de candidaturas, que expressam os dilemas mais acentuados da coordenação da entrada dos partidos nas eleições presidenciais. A centro-esquerda do espectro político brasileiro lançou três candidaturas. O PT concorreu com dois de seus antigos aliados nesse mercado. O PPS (pela segunda vez) e o PSB – que arriscou pela primeira vez uma candidatura presidencial– saíram da órbita petista rumo à candidatura própria. O PSDB, por sua vez, monopolizou as candidaturas relevantes na centro-direita. Vale notar que a posição do PPS no espectro ideológico não é óbvia. No que diz respeito ao pólo encabeçado pelos tucanos, a perda central foi o PFL. O partido foi responsável em parte pelo sucesso dos tucanos no Nordeste. A união entre os dois partidos é o exemplo mais acabado dos ganhos da coordenação eleitoral. No último pleito analisado, novamente a esquerda teve dificuldades de coordenar a entrada dos partidos. PSB e PPS não lançaram candidatos. Contudo, PDT e PSOL disputaram com o partido essa hegemonia. No que diz respeito ao campo da centro-direita, o PSDB continuou sem adversários relevantes. Iniciamos a seção demonstrando a estabilidade das duas maiores forças no mercado presidencial e a instabilidade da legenda das terceiras forças. À primeira vista, esse cenário poderia expressar um eleitorado cativo por parte de PSDB e PT e uma parcela do eleitorado flutuante. A simples leitura da tabela 3.1 desautoriza essa interpretação. A instabilidade da identidade das terceiras forças se deve a mudanças nas estratégias por parte das elites partidárias. Vimos que as tentativas de penetração no mercado eleitoral são erráticas e não mantêm estabilidade no tempo e, dessa forma, alteram a oferta disponível para o eleitor. Imaginemos um eleitor hipotético simpatizante do PDT. Ele necessariamente irá buscar alguma alternativa eleitoral, visto que seu partido não se mantém na disputa ao longo do tempo. Ou bem ele aceita a candidatura coligada com o PT ou ele necessariamente irá buscar outra alternativa mais próxima da sua preferência sincera. O mesmo raciocínio é válido para o eleitor que optou pelo PPR nas eleições de 1994 e que não teve a opção de manter sua escolha no pleito seguinte, uma vez que o partido decidiu apoiar a candidatura tucana para o Executivo nacional. Não por acaso, as eleições de 1989 e 2002 foram as mais fragmentadas no período. Nesses dois momentos, o número de candidaturas dos principais partidos foram os mais elevados. Uma vez que há falhas na coordenação pré-eleitoral, há um aumento das ofertas para o eleitorado, o que mostra que os partidos não constroem base de apoio fiel. Nas eleições de 1989 houve uma explosão de candidaturas e nenhuma coordenação eleitoral. Nas eleições de 2002, houve uma ruptura da coligação petista com a saída do PSB e do PDT no campo esquerdista, enquanto o PSDB perdeu o apoio do PPB e do PFL. Considerações Finais O texto procurou demonstrar que o sistema partidário eleitoral brasileiro é marcado por suas dinâmicas distintas. A fragmentação seria um traço típico das eleições legislativas. As eleições presidencias, por sua vez, são marcadas por uma forte tendência centrípeta. O artigo trouxe uma explicação institucional centrada no efeito redutor decorrente da baixa magnitude distrital nas eleições partidárias. Este efeito redutor gerou dois pólos no interior do sistema político brasileiro. A dinâmica da corrida presidencial responde em parte pelo resultado do processo de coordenação eleitoral das elites partidárias. Quando a coordenação eleitoral é mais eficiente, isto é, as elites conseguem restringir o grau de opção dos eleitores, a disputa é fragmentada. As eleições de 1989, na qual os partidos não conseguiram construir alianças eleitorais que permitissem a nacionalização das candidaturas, o resultado foi elevada fragmentação. Outro exemplo foi a eleição de 2002, quando PT e PSDB não conseguiriam coordenar os partidos historicamente aliados. No campo encabeçado pelo PT, o PSB resolveu arriscar a disputa sozinho e não obteve sucesso. Os tucanos falharam na entrada estratégica ao perderem o apoio do, então PFL, parceiro que levou a hegemonia da política nacional durante oito anos. Isto significa que os partidos se adaptam aos incentivos institucionais. A força dos partidos não decorre da sua penetração na sociedade, mas em parte na sua capacidade de mobilizar apoio político e restringir escolhas dos eleitores. A disputa presidencial no Brasil, então, consegue preencher os requisitos do sistema democrático de criar uma ampla base de apoio para o chefe do Executivo. As chances de ganhar uma eleição sem recorrer às coligações eleitorais é mínima. Isto força o compromisso entre as legendas partidárias e torna a disputa para o eleitor mais inteligível. Estes resultados não podem ser considerados inexoráveis; trata-se de um equilíbrio provisório. Os partidos fazem o cálculo, tendo em vista o curto prazo. Mas não há dúvida de que existe uma dependência da trajetória que torna o sistema atual resiliente.

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