Como anteontem se viu, a decisão do governo foi manter certa dose de enrolação nas contas públicas.
As análises são quase unânimes em apontar falta de clareza, lacunas e
manobras duvidosas na tentativa de garantir um resultado satisfatório. O
superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida), já
revisto e devidamente encolhido para 2,3% do PIB, continua sendo uma
meta que guarda uma proporção duvidosa com os meios.
Isso significa que, diante do baixo crescimento da atividade
econômica (PIB); diante da quebra crescente de arrecadação tanto do
governo federal como também dos Estados e municípios; e diante da
qualidade insatisfatória da administração das despesas públicas, o
resultado fiscal deste ano e, provavelmente, também o do próximo, será
apenas o que der.
A presidente Dilma já entendeu que a incorporação de cada vez mais
brasileiros ao mercado de consumo e à instrução, ainda que aos níveis de
precariedade conhecidos, implica aumento das exigências, especialmente
de mais qualidade dos serviços públicos. Melhor tratamento de saúde,
melhor educação e melhor transporte público só se obtêm com muito mais
investimento, mais custeio e melhor qualidade de ambos. Se uma boa
administração das contas públicas já era essencial para o bom desempenho
de toda a economia, muito mais passa a ser exigido agora.
E, no entanto, falta credibilidade nessa função. O governo se mostra
incapaz de entregar o que promete. Além disso, vem submetendo a
contabilidade pública a práticas que prejudicam a necessária
transparência e promove relações financeiras incestuosas entre o Tesouro
Nacional e as empresas estatais, especialmente BNDES, Banco do Brasil,
Caixa Econômica Federal e Petrobrás.
A deterioração da qualidade da administração fiscal produz
consequências perversas. Uma delas é a redução persistente do nível de
credibilidade na administração de toda a economia. Os agentes econômicos
já não respondem aos apelos do governo porque não veem correspondência
entre o compromisso e o resultado prático. O empresário, por exemplo,
tende a adiar investimentos e a se refugiar na defensiva, porque não
consegue identificar políticas capazes de restabelecer a competitividade
dos seus negócios.
Esse déficit de credibilidade produz outra consequência ruim:
sobrecarrega a política monetária (política de juros) do Banco Central.
Apesar de tudo, a política fiscal hoje praticada não é uma
catástrofe. Ela é apenas confusa, opaca e não suficientemente austera de
modo a ajudar a devolver a inflação à meta, porque cria mais demanda do
que a oferta interna é capaz de suprir.
Depois de um período em que fez o jogo do resto do governo, o Banco
Central voltou a concentrar-se na sua tarefa mais importante, que é a
defesa do real. Desde abril, vem reafirmando que "a política fiscal é
expansionista". Seu presidente, Alexandre Tombini, acaba de dar um passo
além: denunciou a falta de clareza da política fiscal.
Não cabe nem ao Banco Central enquanto instituição nem a seus
dirigentes questionar a política fiscal. Apenas tomam sua definição e
seus resultados como dados da realidade e com base neles, têm de definir
o nível dos juros necessário para reconduzir a inflação à meta. É uma
situação que obriga o Banco Central a puxar os juros bem mais para cima.
Nenhum comentário:
Postar um comentário