terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Isto foi inscrito em 2014 o que fizeram até hoje nada.Sessão de terapia.Perto de mim, homens como os mensaleiros amadores foram meros cleptomaníacos... Sou profissional e didático... Considero-me um técnico, um cientista da corrupção nacional...





                    Arnaldo Jabor.


terça-feira, maio 21, 2014


Sessão de terapia - ARNALDO JABOR

O GLOBO - 21/05




"Doutora, eu procurei a psicanálise porque tenho tido pesadelos:
sonho que morri assassinado por mim mesmo, que estou preso
 com traficantes estupradores.
Não mereço isso, eu, que sempre
 assumi minha condição de corrupto ativo e passivo
(Sem veadagem..., claro.) Não sou um ladrão de galinhas,
 mas já roubei galinhas do vizinho
 e até hoje sinto o cheiro das penosas que eu agarrava. 
Hahaha... Mas hoje em dia, 
doutora, não roubo mais por necessidade;
 é prazer mesmo.
Estou muito bem de vida, 
tenho sete fazendas reais e sete imaginárias, 
mando em cidades do Nordeste, 
tenho tudo, mas confesso que sou viciado na adrenalina
 que me arde no sangue na hora em que a mala preta
 voa em minha direção, 
cheia de dólares, vibro quando vejo os olhos covardes
 do empresário me pagando a propina,
suas mãos trêmulas me passando o tutu,
 delicio-me quando o juiz me dá ganho de causa,
ostentando honestidade e finge não perceber minha piscadela 
marota na hora da liminar comprada
 (está entre US$ 30 e US$ 50 mil hoje).
Como, doutora? Se me sinto
 "superior" assim? Bem, é verdade... 
Adoro a sensação de me sentir acima dos otários 
que me "compram" - 
eles se humilhando em vez de mim.
Roubar me liberta.
 Eu explico: roubar me tira do mundo dos "obedientes"
 e me faz 'excepcional'
 quando embolso uma bolada. Desculpe...,
 a senhora é mulher fina, coisa e tal, mas,
 adoro sentir o espanto de uma prostituta,
 quando eu lhe arrojo US$ 1.000 
sobre o corpo e vejo sua gratidão acesa,
 fazendo-a caprichar em carícias.
É uma delícia, doutora, rolar, nu, 
em cima de notas de US$ 100 na cama,
 de madrugada, sozinho, 
comendo chocolatinhos do frigobar
 de um hotel vagabundo, 
em uma cidade onde descolei
 a propina de um canal de esgoto superfaturado.
Gosto da doce
 volúpia de ostentar seriedade em salões de caretas
 que me xingam pelas costas, 
mas que me invejam pela liberdade cínica
 que imaginam me habitar. 
Suas mulheres me olham excitadas,
 pensando nos brilhantes 
que poderiam ganhar de mim, 
viril e sorridente - todo
 bom ladrão é simpático. 
A senhora não tem ideia aí,
 sentada nesta poltrona do Freud, 
do orgulho que sinto, 
até quando roubo verbas de remédios para criancinhas, 
ao dominar a vergonha e transformá-la na bela frieza
 que constrói o grande homem.
Sei muito bem os gestos rituais da malandragem brasileira:
 sei fazer imposturas, perfídias, tretas, sei usar falsas virtudes,
 ostentar dignidade em CPIs,
 dou beijos de Judas, levo desaforo para casa
 sim, sei dar abraços de tamanduá e chorar
 lágrimas de crocodilo...
Eu já declarei de testa alta na Câmara: 
"Não sei nem imagino como esses milhões de dólares
 apareceram 
em minha conta na Suíça, apesar desses extratos
 todos, pois não tenho nem nunca tive conta no exterior!".
Esse grau de mentira é tão íntegro
 que deixa de ser mentira e vira uma arte.
Doutora, no Brasil há dois tipos de ladrões 
de colarinho branco: 
há o ladrão "extensivo" e o "intensivo".
Não tolero os ladrões intensivos, 
os intempestivos sem classe...
 Falta-lhes elegância e "finesse".
 Roubam por rancor, roubam
 o que lhes aparece na frente
, se acham no direito de se vingar
 de passadas humilhações, dores de corno, porradas
 na cara não revidadas, 
suspiros de mãe lavadeira.
Eu, não. Eu sou cordial, 
um cavalheiro; tenho paciência e sabedoria,
comecei pouco a pouco, 
como as galinhas que roubei na infância,
 que de grão em grão enchiam o papo... 
Eu sou aquele que vai roubando
 ao longo da vida política e,
 ao fim de décadas, já tem "Renoirs"
 na parede, iates, helicópteros, esposa infeliz 
(não sei por que, se dou tudo a ela)
 e, infelizmente, filhos estroinas...
 (mandei estudarem na Suíça e não adiantou).
Eu adquiri uma respeitabilidade
 altaneira que confunde meus inimigos,
que ficam na dúvida se me detestam ou admiram.
 No fundo, eu me acho mesmo especial;
 não sou comum.
Perto de mim, homens como os mensaleiros
 amadores foram meros cleptomaníacos...
 Sou profissional e didático... 
Considero-me um técnico, um cientista
 da corrupção nacional...
Olhe para mim, doutora. Eu estou no lugar da verdade.
 Este país foi feito assim, na vala entre o público e o privado.
 Há uma grandeza insuspeitada na apropriação indébita,
 florescem ricos cogumelos na lama das 'maracutaias'.
Ouso mesmo dizer que estou até
 defendendo uma cultura! 
São séculos de hábitos e cacoetes sagrados
 que formam um país.
A senhora sabe o que
 é a beleza do clientelismo ibérico, 
onde um amigo vale mais que a dura impessoalidade
 de uma ética vitoriana?
A amizade é mais importante que esta bobagem
 de interesse nacional!
 O que meus inimigos chamam de
 irresponsabilidade e corrupção do Congresso
 é a resistência da originalidade brasileira,
 é a preservação 
generosa do imaginário nacional!
A bosta não produz flores magníficas?
O que vocês chamam de "roubalheira",
eu chamo de "progresso".
 Não o frio progresso anglo-saxônico,
 mas o doce e lento progresso 
português que formou nossa tolerância,
 nossa ambivalência entre o público e o privado.
Eu sempre fui muito feliz..
. Sempre adorei os jantares nordestinos,
 cheios de moquecas e sarapatéis, 
sempre amei as cotoveladas cúmplices
 quando se liberam verbas, 
os cálidos abraços de famílias de máfias rurais...
 A senhora me pergunta por que eu lhe procurei?
Tudo bem; vou contar.
Outro dia, um delegado 
que comprei me convidou para ver uma execução.
Topei, por curiosidade; 
podia ser uma experiência interessante
 na minha trajetória existencial.
Era um neguinho traficante
 que levaram para um terreno baldio,
 até meio pé de chinelo.
Ele implorava quando lhe
passaram o fio de nylon no pescoço e apertaram
devagar até ele cair estrangulado,
bem embaixo de uma placa de financiamento público.
Na hora, até me excitei; mas quando cheguei em casa,
com meus filhos vendo
High School Musical na TV, fui tomado
por este mal-estar que vocês chamam de 
                           sentimento de culpa"...
Por isso, doutora, preciso que a senhora me cure logo...
 Tem muita verba pública aí, muita emenda no orçamento,
 empreiteiros me ligando sem parar.
.. Tenho de continuar minha vida sem ter o minimo de culpa.

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